Simão está apenas voltando do trabalho, quando vê uma pequena multidão, gritando. Alguns dão risadas altas, outras dizem palavras de baixo calão. Outros ainda cospem, pisoteiam e batem em alguém. Simão fica preocupado. Mas a curiosidade é maior que a compaixão. Ele vai até lá perto e vê que são rapazes aparentemente ricos, pelos carros importados mal estacionados. Eles espancam um morador de rua que, sem poder se defender, nada responde. Apenas apanha. A polícia chega, os rapazes vão embora. Simão, que está atrasado, finge que não vê, dobra a esquina e pensa: "É só um morador de rua mesmo".
Madalena tem um cartaz bem grande na cidade onde mora. Todos a conhecem como a caçadora. Quem tem mais medo dela são as mulheres casadas. Os olhos de homens casados, solteiros ou viúvos sempre reparam no corpo escultural da ainda jovem Madalena. A bola da vez é o padre da paróquia. Com vestidos bem justos e decotes gigantes, ela entra na igreja aos domingos. Um dia, ao vê-la, o padre até errou a oração da Ave-Maria, sendo motivo de sarro dos fiéis. Madalena estava dentro do carro, dirigindo e terminando de se maquiar ao mesmo tempo. Ela pára no farol, quando uma criança de uns cinco anos de idade, com os olhos fundos de fome pede comida. Mas ela está muito atarefa e atrasada. Está indo "ver o padre", como ela mesma diz. Sai ainda no sinal vermelho e, apressada, acaba atropelando a criança. Ela percebe uma batida e diz: "Cachorro infeliz, tomara que não tenha arranhado o para-choque".
Longino foi, durante muitos anos, sargento do exército. Seu jeito durão e sistemático metia medo em quem chegasse perto. Sempre fardado, mesmo depois aposentado, não faltava a uma missa sequer. Respeitado pelo padre, ministros da eucaristia e sacritãos, Longino tinha fama de santo, já que dava ofertas generosas à paróquia, motivo pelo qual tinha sempre lugar cativo nas celebrações e festas promovidas pela igreja. Além de ganhar, de graça, bençãos especiais até do bispo. Em frente a essa mesma igreja, lá está Longino, quando vê um grupo de pessoas batendo em dois bonecos, um com a cara de uma mulher e outro, de um homem. Parece que são recém condenados pela morte de uma garotinha de quatro anos. É a malhação do Judas. Sem titubear, Longino vai até lá, pega uma lança feita por um dos participantes e acerta em cheio o peito de um dos bonecos. As crianças olham com admiração e medo. Ele cospe no chão e diz: "Traidor tem mesmo é que morrer". As crianças assobiam e batem palmas mesmo sem saber quem foi Judas.
Verônica é daquelas mulheres com mania de comprar roupas. O guarda-roupas dela é do tamanho da parede. Vestidos e mais vestidos. Calças e mais calças. Sapatos e mais sapatos. Tênis e mais tênis. Blusas e mais blusas. Aos montes. Mais da metade está até com etiqueta ainda. Algumas ela nem se lembra como comprou, só sabe que foi no impulso. É sexta-feira e Verônica se prepara para sair. Um dia antes, como que por milagre, ela juntou várias peças de roupa que não usaria mais. Queria se desfazer delas. Um pouco antes de sair de casa, ela ouve uma propaganda no rádio dizendo que a Pastoral da Criança da cidade onde mora está arrecadando roupas para fazer um bazar beneficente. Verônica se empolga. Mas ela não aguenta mais ver aquelas roupas "velhas" lá no canto da sala, ensacadas. Sem paciência e já atrasada, ela joga as roupas na beira da rua e bota fogo. Verônica pensa: "Estavam muito velhas mesmo".
Dimas acabou de sair da prisão. Estava preso por assalto a mão armada. Cumpriu a pena e agora, em liberdade, seu maior desejo é reconstruir a vida com dignidade. Quer ir à Igreja e aproveitar a semana santa. Ele está andando depressa, pois está meio atrasado. No caminho, Dimas dá de cara com um homem cego, sentado à beira da calçada, pedindo esmolas. O impulso fala mais alto e Dimas rouba algumas moedas do recipiente onde o cego guardava as esmolas. Ele aperta o passo e pensa: "Vagabundo, em vez de trabalhar, finge que é cego pra viver às custas dos outros".
Simão, Madalena, Longino, Verônica e Dimas moram cada canto um em um canto da cidade, não se conhecem, mas estão indo ao mesmo lugar. Todos se consideram pessoas de bem, sem pecado e boas de coração. Todos vão à missa aos domingos, sentem orgulho de si mesmos e gritam isso aos quatro ventos. Hoje, Sexta-Feira santa, um dos dias mais importantes do ano para os cinco, eles se encontram com os outros fiéis para a celebração da morte de Jesus. Eles estão atrasados e não podem perder tempo com coisas fúteis que encontram no meio do caminho. Vai que chegam atrasados à celebração. E isso, segundo eles, é pecado imperdoável.
4 comentários:
Já disse que adoro ler teu blog?
Obrigado, Tyz. Mas eu ainda acho que há coisas melhores para ler, como bula de remédio por exemplo... rsrsrsrsrs
Hahahahah
Pecadinho e pecadão.
O que varia é o tamanho da penitência.
É verdade Rei... Essa eu me inspirei numa crônica sua.
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